domingo, 5 de setembro de 2010

AO MEU TERAPEUTA, COM CARINHO

Por Priscila F. C. Kanamota
Prof. de Psicologia Clínica

Em 2006, movida por indagações pessoais e pelos conselhos dos professores da faculdade de que todo estudante de psicologia deveria fazer terapia, resolvi experimentar. A princípio achei que seria moleza! Afinal, eu, psicóloga, formada, já havia atendido algumas pessoas em consultório, sabia dos efeitos da terapia na vida das pessoas, com certeza, imaginava eu, iria tirar de letra.

Foi então que, por indicação de uma grande amiga, escolhi meu terapeuta. Um jovem senhor, muito dócil, experiente, admirado do meio acadêmico por seu empenho em pesquisa e pela forma como ministrava aulas. Ah! Por que ele também era professor, além de clínico. E lá estava eu!

O consultório ficava no segundo andar de um sobrado, numa sala muito aconchegante e com vista para um lago. Porém, sensação de sentar no banco da frente, na poltrona dos clientes, o lugar de onde parte os mais diferentes problemas foi horrível.

Não sabia o que falar e nem se deveria falar, se ele entenderia que apesar das minhas faltas eu também tinha qualidades e potencialidades para continuar sendo merecedora de sentar na outra poltrona. Pela primeira vez senti o gosto amargo de pensar que a pessoa de quem todos falam que pode nos ajudar, senhor Psicólogo, é um ser estranho a quem o diploma concedeu o direito de saber tudo, ou quase tudo da nossa intimidade.

Após algumas sessões, falando frivolidades e expressando problemas dos quais eu sabia que se eu não resolvesse também nada muito significativo aconteceria, me deparei com a composição de Arnaldo Antunes, Marisa Monte, Carlinhos Brown – Infinito Particular.

Era isso! Tava ali, a porta que precisava. A carta de recomendação que meu terapeuta deveria ler e reler antes de tentar adentrar no meu mundinho. “Eis o melhor e o pior de mim” - Isso ele deveria saber! Que por mais que eu expusesse coisas socialmente tidas como ruim, que não me julgasse só por isso, porque eu também tinha um outro lado! Poxa vida! E meu esforço para ser gente? Não ia contar?

Foi meu primeiro contato racional com o poder do reforço social! A necessidade de aprovação que impede que façamos ou falemos coisas por medo do julgamento dos outros. O que ele vai pensar de mim? E se um dia for meu professor? Será que, como colega de profissão, me encaminharia algum cliente depois de ouvir isso?

Eu sabia que não seria facil falar, por isso precisaria muito da ajuda dele! “Eu não sou difícil de ler, faça sua parte” “É só mistério, não tem segredo... Vem cara, me repara, sou porta bandeira de mim”.

Às vezes, nós, clientes, achamos que a coisa é simples, que está na cara, basta o outro se esforçar um pouco para compreender. Em outros momentos, nossos sentimentos e pensamentos estão tão nebulosos a nós mesmos que achamos que o outro jamais nos entenderá, porque nem mesmo a gente se entende. Gosto muito de citar Skinner (1974) quando ele fala sobre o processo de autoconhecimento, “(...) autoconhecimento tem um valor especial para o indivíduo. Uma pessoa que ‘se tornou consciente de si mesma’ por meio de perguntas que lhe foram feitas está em melhor posição de prever e controlar seu próprio comportamento.”

Acredito que aí está a grandiosidade da terapia, servir como uma comunidade verbal que propicie ao cliente um maior autoconhecimento e, conseqüentemente, a um manejo mais eficaz das múltiplas variáveis ou circunstâncias que influenciam sua vida. O terapeuta enquanto comunidade verbal do cliente poderá promover contingências na própria relação terapêutica que eleve o cliente a observar tanto as conseqüências conflitantes produzidas por seus comportamentos quanto as variáveis que, ao serem manipuladas diminuem a probabilidade de emitir tal comportamento. Para isso, precisa aprender a observar, pois no fundo, o cliente é “porta bandeira” dele mesmo. As ações em sessão, ou como Kolemberg diria “os comportamentos clinicamente relevantes” vão aparecer, e estar atento esses comportamentos, mesmo que sutis, é o que permitirá iniciar o processo de modelagem.

Meu terapeuta fez, sem dúvida, a lição de casa! Cosntruimos juntos que a beleza da vida está em se tornar humano (com falhas e acertos). Afinal, o que sabemos sobre nós, como nos sentimos, o que pensamos; só é possível através do outro, de como os outros nos vêem. O que temos de mais pessoal é construído socialmente e isso é extremamente importante porque garante uma similitude tal para que haja comunicação, história, sociedade e cultura.

Citando Skinner (1991) novamente, “a terapia bem sucedida constrói comportamentos fortes, removendo reforçadores negativos desnecessários e multiplicando os positivos. Independentemente de as pessoas que tiveram seus comportamentos fortalecidos dessa maneira viverem ou não mais do que os outros, ao menos se pode dizer que vivem bem.”

Hoje, a cada cliente que recebo, a cada pessoa que busca na terapia uma forma de se conhecer e lidar com seu infinito particular, penso na última estrofe da música, “Só não se perca ao entrar no meu infinito particular”. Pra isso estudo, analiso, respeito e busco modelos de excelência, como o meu terapeuta.

2 comentários:

  1. Ao começar a ler realmente pensei que seria uma colocação facil como qualquer escritor que fala sobre a clinica,mas no decorrer da leitura observei o quando a colocação falava dos conflitos do psicogo como ser humano e que com a sua experiencia você soube nos passar de forma surpreendende e humanizada...Adorei..

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  2. Que lindo o que você escreveu Priscila! Nunca fiz terapia, fico imaginando quando chegar a minha vez, parece realmente uma coisa estranha, o que dizer? por onde começar? Importante sabermos que não é fácil ser terapeuta e também não é fácil ser o cliente. E que grande responsabilidade é essa, de conhecer e de colaborar para o autoconhecimento de alguém, de adentrar em seu infinito particular!

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