PROJETOS

Representações sociais de violência doméstica contra mulher: Pesquisa documental

Prof. M.Sc. Alexandre da Silva de Paula
Antônia de Fátima M. Gregoleti


1- Introdução

A violência há muito tempo é o mais grave problema social do país, sendo atualmente considerada como um problema de saúde pública. O combate à violência está situado na nova agenda das políticas de saúde, fato evidenciado pela mudança que vem ocorrendo nos últimos 30 anos no perfil epidemiológico do país. “Às enfermidades infecciosas e parasitárias colocadas nos primeiros lugares como causas de morte e morbidade se sucederam em doenças vinculadas às condições, situações e estilos de vida” (Minayo, 2005, p.56).

Hoje não apenas a violência alcançou legitimidade nos espaços públicos das sociedades democráticas, seja em termos do debate político - acadêmico, seja na sua capacidade de se engajar em ações armadas que causam a destruição em massa de vidas humanas. Sendo assim, enquanto característica mais importante da época, “ela funciona cada vez mais como categoria geral para aprender a vida social bem como as relações internacionais” (Wieviorka, 1997, p.11).

No Brasil, nos últimos 20 anos, foram criados diversos serviços públicos cuja ênfase está na prevenção de situações de violência contra mulher. Neste âmbito, destacam-se as delegacias de defesa da mulher, as casas-abrigo e os centros de referência multiprofissionais que visam, principalmente, coibir a violência física e sexual cometida por parceiros e ex-parceiros da mulher (Schraiber et.al., 2002). Com efeito, mais intensamente na década de 1990 a problemática da violência contra mulher adquiriu contornos e maior proporção nos debates políticos e sociais e no planejamento em saúde pública (Azambuja e Nogueira, 2008).

A Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, denominada Lei Maria da Penha, em seu art. 1o: “cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.”

Segundo Oshikat (2003) a solução do problema de violência contra a mulher demanda ações integradas da Justiça, Educação, Ação Social e Saúde, junto com a sociedade civil. E, no que tange a área da saúde pública, compete principalmente o atendimento de urgência da mulher agredida, para atender as suas necessidades imediatas e protegê-las das conseqüências psicológicas da violência.

Neste contexto cabe indagar: qual o perfil epidemiológico, a prevalência dos índices de violência contra mulher registrados numa instituição estratégica de prevenção como a delegacia da mulher no período de dois anos. Quais as características das agressões, das vítimas e os principais delitos praticados pelos agressores? Será que a denunciada violência tem acarretado em ações judiciais e legais de proteção as vítimas, estimulando a visibilidade pública do objeto?

De fato, a violência contra mulher, enquanto fenômeno relacional e interpessoal inscreve-se em práticas seculares, legitimadas e silenciadas ao longo do processo civilizatório. Contextos sociais e culturais diversos reificam tais práticas de agressão. Sendo assim, faz-se necessário a execução de pesquisas epidemiológicas de cunho quantitativo, articuladas com pesquisas eminentemente qualitativas para que, num primeiro plano este problema social secular seja compreendido em seu campo de incidência ou prevalência. Contribuindo, posteriormente, com ações e estratégias públicas na esfera da saúde de modo que o agravamento das vítimas seja coibido.

1.1 – Justificativa

Uma pesquisa realizada no Brasil, em 2001, pelo Núcleo de Opinião Pública que entrevistou 2.500 mulheres sobre diversos aspectos, aponta os seguintes dados sobre o tema violência: cerca de uma em cada cinco brasileiras (19%) declara espontaneamente ter sofrido algum tipo de violência por parte de algum homem, porém quando estimuladas pela citação de diferentes formas de agressão, o índice de violência de gênero ultrapassa o dobro, alcançando a marca de 43%.

Um terço das mulheres (33%) admite já ter sido vítima, em algum momento de sua vida, de alguma forma de violência física, 13% de estupro conjugal ou abuso e 27% sofreram violências psíquicas. Uma projeção da taxa de espancamento (11%) para o universo investigado (61,5 milhões) indica que pelo menos 6,8 milhões dentre as brasileiras vivas já foram espancadas ao menos uma vez.

Considerando-se que entre as que admitiram terem sido espancadas, 31% declararam que a última vez em que isso ocorreu foi no período dos 12 meses anteriores, projeta-se então cerca de, no mínimo, 2,1 milhões de mulheres espancadas por ano no país (ou em 2001, pois não se sabe se estariam aumentando ou diminuindo); 175 mil/mês, 5,8 mil/dia, 243/hora ou 4/minuto – uma a cada 15 segundos. Sendo assim, acentua-se a necessidade de pesquisas sobre o fenômeno em questão, haja vista a relevância cientifica e social do tema.

1.2 - Objetivos Gerais

Investigar as representações sociais de violência doméstica contra mulher, articulando o discurso de vítimas e dados quantitativos coletados em processos jurídico-criminais instaurados na delegacia de defesa da mulher.

Objetivos Específicos

Levantar dados sociográficos das vítimas, caracterizando o perfil geral das ocorrências de violência doméstica contra mulher.

Compreender o contexto sócio-histórico em que ocorre o fenômeno investigado.

Averiguar quais os procedimentos adotados em casos registrados e confirmados de violência doméstica contra mulher, de acordo com o que dispõe a Lei nº 11.340/06.

2- Metodologia

Trata-se de uma pesquisa que se pauta na triangulação de métodos tal como propõe Minayo (1999). Sendo assim, em sua primeira fase será realizada uma pesquisa documental em boletins de ocorrência na delegacia especializada. Na segunda fase entrevistas em profundidade com mulheres vítimas e observações do cotidiano serão realizadas contemplando, assim, a complexidade do fenômeno em questão.

O estudo das representações sociais nos permite o acesso à compreensão de fenômenos complexos do senso comum, na medida em que os indivíduos utilizam as representações como forma de dar sentido ao mundo, de estabelecerem relações e se inserirem em um determinado contexto social. As representações “são, neste sentido, estruturas estruturadas que revelam o poder de criação e transformação da realidade social” (Spink 1994, p.121).

3. Resultados esperados

Espera-se que a importância deste estudo esteja em proporcionar novas reflexões e perspectivas de investigação no campo da Psicologia Social, da mulher e da violência de gênero, com aspirações de que novos paradigmas sobre as representações de poder e autoridade sejam construídos e analisados para um melhor entendimento dos aspectos que corroboram para a ocorrência desse tipo de violência.

4. Plano de Trabalho

Procedimentos

a) Pesquisa documental: Serão analisados os boletins de ocorrência registrados pela Delegacia da Mulher relativos à violência doméstica num Município de médio porte do interior de São Paulo nos últimos dois anos (2008-2009), assim como seus respectivos processos criminais. Estes dados sobre a prevalência dos delitos contra mulher serão tabulados segundo categorias de análise, previamente estabelecidas, de tal modo que permitam mapear o perfil sociodemografico das vítimas e os encaminhamentos jurídicos em cada caso.

b) Entrevistas em profundidade: Serão entrevistadas 10 (dez) mulheres escolhidas aleatoriamente considerando os boletins de ocorrência registrados, de forma a construir-se uma amostra heterogênea, segundo o critério de saturação do material empírico.

c) Observações de campo: serão realizadas observações no cotidiano da instituição (delegacia da mulher) com objetivo de conhecer a realidade, os limites, as ações eficazes e os desafios no trabalho dos agentes públicos incumbidos de proteger e encaminhar legalmente a mulher agredida para cuidados necessários. Considera-se que a convivência do investigador com a pessoa ou grupo estudado cria condições privilegiadas para o processo de observação.

Material e Instrumentos

Para realizar a coleta de dados sociográficos por meio dos boletins de ocorrência, inquéritos policiais e processos judiciais, será elaborado um instrumento quantitativo em forma de tabela, possibilitando assim, uma noção panorâmica sobre a prevalência do fenômeno no município.

Para realizar as entrevistas, será utilizado um gravador e um roteiro semi-estruturado. As informações coletadas com as participantes serão confrontadas com o material empírico da base documental. As entrevistas serão gravadas com a anuência das vítimas, segundo os procedimentos éticos na pesquisa especialmente o sigilo das informações.

Análise das entrevistas

Para analisar as entrevistas, serão utilizadas as etapas consolidadas pelas pesquisas nessa área e sistematizadas por Guareschi (1993): 1) Registro sistemático e rigoroso das anotações; 2) Leitura e escuta flutuante do material, destacando: a) os temas emergentes; b) a construção do discurso em suas contradições, lapsos, silêncios, pausas, indícios da dinâmica afetiva; 3) Definição das dimensões da análise, a partir dos temas emergentes por meio dos quais circulam os conteúdos das entrevistas; 4) A partir das dimensões, construção de mapas que transcrevam toda a entrevista, respeitando a ordem em que os conteúdos aparecem no discurso, ou enquadrando-os dentro de tais dimensões. Estes mapas permitem a visualização da associação de idéias entre as dimensões e também entre as múltiplas idéias e imagens presentes em uma dimensão; 5) Discriminação de unidades de significado na perspectiva psicológica, tendo como foco o fenômeno pesquisado; 6) Síntese das associações denominadas "núcleos temáticos", estabelecendo as relações entre elementos cognitivos, comportamentais e investimentos afetivos; 7) Síntese das unidades de significado e das representações sociais.

4.1 Caracterização do grupo de pesquisa

A pesquisa será realizada na delegacia de defesa da mulher do município de Votuporanga, segundo a anuência das autoridades devidas. As entrevistas serão realizadas com 10 mulheres vitimadas de agressão e violência.

4.2 Cursos Envolvidos: Psicologia - UNIFEV

Bibliografia

AZAMBUJA, M. P.; NOGUEIRA, C. Introdução à violência contra as mulheres como um problema de direitos humanos e de saúde pública. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 101-112, 2008.

GUARESCHI, N. M. F. A Criança e a Representação Social de Poder e Autoridade: Negação da Infância e Afirmação da Vida Adulta. In: M. J. Spink. (Org.). Conhecimento do cotidiano: As representações Sociais na Perspectiva da Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense, 1993, v., p. 212-233.

MINAYO, M. C. S. Violência: um novo-velho desafio para a atenção à saúde. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 29, n. 1, p. 55-63, 2005.

OSHIKATA, C. T. Violência sexual: característicasda agressão, das mulheres agredidas e do atendimento recebido em um hospital universitário de Campinas- SP. 2003. Dissertação - Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, 2003.

SCHARAIBER, L. B. A. Violência contra a mulher: estudo em uma unidade de atenção primária à saúde. Revista Saúde Pública. v. 36, p.470-7, 2002.

SPINK, M. J. P. Os métodos de pesquisa como linguagem social. Estudos e Pesquisas em Psicologia (UERJ), Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 9-21, 1994.

WIEVIORKA, M.. O novo paradigma da violência. Tempo Social. São Paulo. v. 9, n. 01, p. 5-41, 1997.